Meu padroeiro é o Mané!

Hoje comemora-se o dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro. Na hagiografia correspondente a São Sebastião – nascido em Narbona na França e tendo migrado com a sua família ainda menino para Milão – diz-se que era um militar extremamente dedicado durante o período de Maximiliano, um cristão fervoroso a ponto de descumprir ordens de torturar os prisioneiros e dispensar aos mesmos conforto religioso através do cristianismo. Contrariava diretamente o Imperador, que por sua vez, não ia com a cara dos cristãos. Maximiliano então ordenou que ele, Sebastião, renegasse a sua religião, pois não haveria de ter misericórdia com os prisioneiros cristãos. O soldado Sebastião negou categoricamente a ordem e então o Imperador, puto da vida, resolveu mandar executá-lo com requintes de crueldade. Puseram Sebastião amarrado a um poste e atiraram-lhe um sem número de flechas, deixando-o sangrar até a morte.

Como desgraça pouca é bobagem, Sebastião continuou vivo e foi salvo por Irene, uma cristã devota. Recuperado, apresentou-se ao Imperador e lhe implorou que cessasse a perseguição aos cristãos. Maximiliano negou seu pedido de forma definitiva e ordenou que dessa vez Sebastião fosse espancado até a morte e seu corpo jogado numa fossa. Isso deu-se no ano de 286 no dia 20 de Janeiro.

Pelas bandas de cá, o mito de São Sebastião é ainda mais fantástico. Em meados da década de 50 do século XVI houve a tentativa de fundação da França Antártica na Baia de Guanabara com a finalidade de colonizar essas terras e expandir o território francês e o Calvinismo. Os portugas que já estavam mais ou menos habituados com os trópicos ficaram fulos da vida, fizeram uma aliança com os Temiminós. De um lado estavam os Tamoios (Tupinambás) – comandados pelo cacique Aimberê – e, de outro, os Portugueses – chefiados pelo governador-geral da colônia, Mém de Sá, e auxiliados por Arariboia, o líder dos índios temiminós, que trouxe consigo, do Espírito Santo, centenas de guerreiros de sua tribo para combater o antigo inimigo. No início do século XVI, os índios do Gato (depois chamados de Temiminós) viviam na Ilha de Paranapuã (atual Ilha do Governador) em situação de derrota iminente, cercados de tamoios por todos os lados. Diante disso, o líder Maracajaguaçu (Gato Grande) pediu ajuda aos portugueses para serem levados para o sul do Espírito Santo. Estabeleceu-se, assim, uma estreita e duradoura aliança entre eles e os lusos, e uma eterna inimizade entre eles e os Tamoios.

Com esse quiproquó armado e a porrada estancando, uma das batalhas fundamentais nessa disputa, a Batalha das Canoas em Cabo Frio, tava rolando solta. De acordo com alguns relatos, o Santo teria aparecido durante a Batalha das Canoas, travada em julho de 1566, na qual os Portugueses, em considerável desvantagem numérica, conseguiram resistir a uma investida dos índios Tamoios. Reza a lenda que um soldado com armadura e uma espada erguida sobre a cabeça foi visto e logo em seguida explosões em sequência ocorreram, deixando os Tamoios em desespero e oferecendo a vitória aos Portugueses e Temiminós. Com essa vitória inesperada, restava a aliança dos Portugueses e Temiminós, uma última investida.

Uruçumirim, tratava-se de importante aldeamento dos Tupinambás, defendido ao modo indígena, isto é, cercado por uma forte paliçada. Então travou-se a derradeira batalha de Uruçumirim onde Aimberê e Ernesto (seu genro francês) estavam de um lado e Arariboia e Mem de Sá do outro. Foi um pega pra capar dos diabos e segundo relatos as baixas foram um escândalo. No dia 20 de janeiro de 1567 – em meio a dezenas de incêndios, a milhares de flechas e tiros de canhão e outras armas de fogo – o céu enfumaçado se tingiu de cinza e as águas da Guanabara, de vermelho sangue e a vitória do embate foi dos Portugas e Temiminós, ora vejam vocês, no dia 20 de Janeiro.

Manuel Francisco dos Santos, mais conhecido como Mané Garrincha, apelido de infância em Pau Grande, Magé, no Estado do Rio de Janeiro, não foi um soldado cristão nascido na França e que se tornou Santo católico homenageado pelos portugueses e por nós, brasileiros. Tampouco baixou num soldado tuga na Batalha de Canoa contra a francesada. Mané foi mais. Muito mais. Nasceu Manuel, viveu Garrincha. Transgrediu a vida traçada na linha reta, ultrapassou os limites da física e contrariou a ciência com seus dribles. É nosso Santo mais profano, mais mundano, mais humano. Garrincha subverteu todas as lógicas a ele impostas. Garrinha é o retrato fidedigno do Brasil de verdade. Um sujeito da linha dos malditos, dos desviantes.

Garrincha é o grito de gol entalado na garganta, aquele jogo do bicho que acertou no milhar e vai te fazer sair da pindaíba, aquela aposta que você acerta na cabeça e livra aquele qualquer no final do mês, é o improviso, a viração, a festa, o café, a cerveja superlampoticamente gelada descendo suave goela abaixo depois de um dia fodido de labuta, é o beijo da amada, o abraço do pai, a visita inesperada do amigo do peito, o riso no meio da desgraça. Ele é quem desafia as probabilidades. E as vence. As venceu.

Mané é o encontro perfeito entre o sagrado e o profano. Se imortalizou justamente por ser diferente do padrão, pelos caminhos tortos, por ser um “gauche” – que em francês quer dizer “esquerdo”, diferente”, “incompatível”. E apesar disso tudo, ora, vejam só, sua alcunha era de anjo. O anjo das pernas tortas. E no Rio dos meus devaneios, Garrincha é o meu padroeiro, onde a Igreja é o estádio de futebol, a bola é a amiga fiel e a cerveja gelada é a dama dos sonhos.

Manuel Francisco dos Santos faleceu sozinho, pobre e se foi do mundo no dia 20 de Janeiro de 1983. Garrincha tá vivinho da Silva encarnado nos campos de pelada Brasil afora se encantando em cada moleque de riso frouxo e pernas tortas que dribla a realidade de merda que bate a porta da maioria dos brasileiros.

Hoje é dia 20 de Janeiro, dia de São Mané Garrincha do Rio de Janeiro.

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