João Saldanha: cem anos, sem medo

Há poucos dias da data, 3 de julho, em que será marcado o centenário de nascimento de João Alves Jobim Saldanha (1917–1990), o João Sem Medo, entrevistamos o editor da Livros de Futebol, Cesar Oliveira, estudioso de João Saldanha e um dos autores do livro “As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha”, que será lançado exatamente no dia 3 de julho.

Além de lançamento de livro, o centenário de João Saldanha será comemorado com diversos eventos, como uma Semana João Saldanha, que contará com mesa redonda na ABI e samba na Livraria Folha Seca, entre outras atividades.

Como técnico de futebol, João Saldanha conquistou o Campeonato Carioca de 1957 pelo Botafogo, que goleou o Fluminense por 6 a 2 na final; e classificou a Seleção Brasileira para a Copa de 70.

Como radialista, jornalista e escritor, comentou para várias rádios e tvs, escreveu para diversos veículos e publicou incontáveis livros.

Saiba mais sobre João Saldanha!

Viva La Resenha: Afinal, o que era a Zona do Agrião?

Cesar Oliveira: “João Saldanha sempre escreveu com graça e criatividade. Coloquial, mas inventivo. Roberto Porto me disse, certa feita, que João escrevia “falando com a máquina de escrever”. A ‘zona do agrião’ era o lugar onde o bicho pegava. A entrada da área, a grande área.”

Viva La Resenha: É verdade que João foi para a China?

Cesar Oliveira: “Ao contrário de alguns, jamais direi que João era mentiroso. Pelo sucesso que sempre fez, sucesso nas rádios, nos jornais, na TV e até no campo, João era invejado. Há várias histórias mal explicadas que a família e alguns amigos dele, mais próximos, contam – com a faca nos dentes — de ‘coleguinhas’ que falavam mal do João absolutamente por despeito. Posso lhe garantir, por ser testemunha auditiva do que afirmo agora, que era possível ouvir o comentário de intervalo do João no eco da marquise do Maracanã, dezenas de milhares de radinhos de pilha ligados nele.

Tem a história do suposto encontro dele com o Mao Tsé Tung, cujo epílogo o Sandro Moreyra, contava jocosamente, de que teria pisado o pé do Mao, num passeio na Praça Vermelha e que teria reclamado com o Sem Medo: — Pola, João!”

Viva La Resenha: Ele foi para mais algum outro país comunista sem ser pelo futebol? Qual a participação dele no PCB?

Cesar Oliveira: “Se foi? Deve ter ido. Ele era um comunista participante das coisas do Partidão. Não ficou registro porque, naquele tempo, comunista comia criancinha. Mas ele mesmo confessou, depois do fim da Ditadura Militar, que teria levado e trazido dinheiro e documentos, várias vezes, quando viajava para o exterior, a trabalho.”

Viva La Resenha: Sei que foi candidato a vice-prefeito do Rio né?

Cesar Oliveira: “Em 1985, João foi candidato nas primeiras eleições diretas para prefeito do Rio de Janeiro, sendo indicado pelo PCB, como vice , na chapa encabeçada pelo advogado Marcelo Cerqueira, do PSB. Ele atendia a uma decisão do Partido. Não creio que desejasse entrar na gestão administrativa. Mas, com certeza, ele faria coisas criativas e importantes, privilegiando a saúde, o esporte, a ética, enfim, o povo. Bom deixar claro que João sempre esteve ao lado do mais fraco, da ética, do povão.”

Viva La Resenha: Muitos acham que ele era um jornalista que se tornou técnico. Mas, pelo que li, ele foi ser jornalista, depois, né? De 1957, no caso.

Cesar Oliveira: “João era jornalista desde 1961, quando começou a escrever na Última Hora de Samuel Wainer. Ele nunca foi técnico; sempre que o fez, no Botafogo e na Seleção Brasileira, atendia a uma convocação. Do Clube ou do País. João tinha essa noção de compromisso com as suas crenças.”

Viva La Resenha: Foi exatamente em que ano que ele começou a escrever ou comentar?

Cesar Oliveira: “João começou na imprensa esportiva, como disse antes, na Última Hora, em 1961. Ficou até fevereiro de 1969, quando saiu pra Seleção. Voltou logo depois da demissão, mas em fevereiro de 1970, n’O Globo (Armando Nogueira o teria contratado para protegê-lo da Ditadura). Ali ficou até setembro de 1974, quando foi pro Jornal do Brasil, talvez a sua melhor fase, de maior evidência. Sua última crônica foi para o JB, em 5 de julho de 1990, pouco antes de morrer em Roma-ITA. Teve uma passagem efêmera pela revista ‘Placar’. em 1979–1980.

No rádio, começou na Rádio Guanabara, nos anos 1960. Depois, fez sucesso na Rádio Globo, nos anos 1980, década  também em que esteve na Rádio Jornal do Brasil. Na TV, esteve na Globo, nos anos 1970 (seu programa ‘Dois minutos com João Saldanha’ era um sucesso!) e terminou a vida na Manchete, morrendo na Copa da Itália a serviço da emissora, ao lado de Paulo Stein e Marcio Guedes.”

Viva La Resenha: E a história do tiro em Manga, é verídica?

Cesar Oliveira: “Verdadeira, claro. Consta que o goleiro Manga (hoje morando no Equador), tinha problemas com jogatina, perdia muito dinheiro e era suscetível ao que o João chamava de “conversinha” (suborno). Na final do Campeonato Carioca de 1967, Saldanha soube que Manga teria sido ‘cantado’ pelo contraventor  Castor de Andrade, patrono do Bangu, e que, com uma mala cheia de grana, teria tentado levar o Gérson (‘Canhotinha de Ouro’) junto pro buraco. Gérson não topou e deu o alerta no Clube. Saldanha ficou sabendo. E, o jogo inteiro, apontava que Manga estaria fazendo ‘uma partida estranha’. No final da partida, acusou Castor de suborno, com todas as letras. À noite, Castor invadiu a TV Rio com seus asseclas e dois revólveres. Saldanha saiu na mão com eles. A transmissão, que eu estava assistindo com meu pai botafoguense, saiu do ar por 15 minutos. Quando voltou, um Luiz Mendes apavorado passou a palavra para o João, completamente ofegante, que confirmou tudo. No dia seguinte, na festa do título em General Severiano, Castor e alguns policiais corruptos, pagos por ele, combinaram de cercar e segurar Saldanha, para que Manga o enchesse de porrada. Mais uma vez, Saldanha ficou sabendo e foi pra sede do Botafogo com dois ‘berros’ e botou Manga e os safados pra correr.”

(Abaixo, João conta essa história no programa Roda Viva)

Viva La Resenha: E afinal quais foram realmente as circunstâncias da sua demissão da Seleção?

Cesar Oliveira: “João era, na ocasião, um nome que poderia apaziguar o coração do torcedor, irritado com as bobagens e o vexame da Copa de 1966, quando convocaram trocentos jogadores e chegamos lá sem time. Em suas crônicas e comentários, ele criticava mas apontava caminhos. Imagino o temor da milicada em botar um comunista de papel passado e firma reconhecida para dirigir a Seleção…

O fato é que João montou um time infernal, baseado nos ‘times da moda’ (Botafogo,Cruzeiro e Santos)  e se classificou brincando, com atuações deslumbrantes e goleadas homéricas. E, ao mesmo tempo em que incitava o povo brasileiro, dava dor de cotovelo em alguns que não o queriam se dando bem. Logo o ditador de plantão, que João considerava ‘o maior assassino da História do Brasil’, quis dar pitacos no time do João, um time de craques que tratavam a bola por “querida”, para colocar um centro-avante que maltratava a bola. Aí, vem a história do ‘o presidente escala o ministério, eu escalo o meu time’, que foi a gota d’água pra demissão, que seus leitores podem assistir em:

Você imagina o comunista João voltar do México como tricampeão do mundo? Ia deitar e rolar, acusar ainda mais, como sempre fez, as torturas, prisões e desaparecimentos nos porões da Ditadura… Então, tiraram o João e Zagallo ficou com os louros.”

Viva La Resenha: Você está organizando as comemorações do centenário de nascimento do João. Como é que vão ser?

Cesar Oliveira: “Há muito tempo, procurei os quatro herdeiros do João para pedir autorização e fazer um livro que o homenageasse. Autorizado, fui à luta. A crise espantou os patrocínios. Então, tive a ideia de convidar o executivo e professor de marketing Marcelo Guimarães, que foi diretor de marketing do Botafogo e candidato à presidência, na eleição passada, propondo a ele que desenvolvesse um projeto que permitisse realizar a homenagem.

Marcelo – que é sócio da Vértice Marketing – não apenas formatou pela sua empresa um projeto genial – a ‘Semana João Saldanha’ – como também usou o seu network pessoal para viabilizar a criação de uma fanpage (https://www.facebook.com/joaosaldanha100) e a produção do livro ‘As 100 melhores crônicas comentadas de João Saldanha’, uma ideia que tive para que uma centena de crônicas, que mostrassem a personalidade única do homenageado, fossem brevemente comentadas para situá-las na linha do tempo e apresentar a inesquecível personalidade do João Sem Medo (apelido dado a ele por Nelson Rodrigues, de quem era amigo) em quatro capítulos – Futebol, Seleção Brasileira, Botafogo e Zona do Agrião (onde juntamos o que não cabia nos outros três).”

Viva La Resenha: E o que os novos e antigos leitores do João vão perceber?

Cesar Oliveira: “A leitura vai mostrar um gaúcho formado nas lutas políticas do Sul do País, com um profundo sentimento de amor ao povo brasileiro, ao futebol, à verdade e à ética. João entendia muito de futebol. E tinha uma capacidade de análise, de propor soluções, de ter ideia, que era de deixar pasmo. Além disso, era comprometido com o melhor do Brasil. E não abria mão de suas convicções, que defendia com palavras ardorosas, colocações precisas e, se preciso, à bala.”

Viva La Resenha: E o projeto “João Saldanha: cem anos, sem medo”, o que vai oferecer a quem quiser saber mais desse jornalista esportivo de quem tanto se fala?

Cesar Oliveira: “No dia 3 de julho, segunda-feira, no restaurante Nanquim (Rua Jardim Botânico, 644), vamos lançar o livro “As 100 melhores crônicas comentadas de João Saldanha”, que teve pesquisa e seleção de crônicas do historiador Alexandre Mesquita (autor de ‘Um Expresso chamado Vitória’ e ‘Clássico Vovô’), com organização minha. Alexandre e eu, que fizemos os comentários, convidamos o Marcelo Guimarães para dividir essa deliciosa tarefa conosco. O livro tem formato 15,5 x 23, 248 páginas e vai custar R$50. O livro estará logo em todas as melhores livrarias, mas as pessoas também poderão adquirir pelo site da Mauad-X, que distribui os meus livros. Breve, o livro do João será oferecido em versão eletrônica (e-book) na Amazon e em diversas lojas virtuais.”

Viva La Resenha: Teremos participações especiais?

Cesar Oliveira: “Com certeza. Temos dois prefácios luxuosos – de Juca Kfouri e Tostão. E imperdível posfácio do professor Ivan Cavalcanti Proença, analisando a literariedade em João Saldanha.”

Viva La Resenha: E o que mais?

Cesar Oliveira: “Na terça-feira, dia 5, a ABI – Associação Brasileira de Imprensa fará realizar um dia inteiro de debates sobre o João. De manhã, sob o comando do Prof. Victor Andrade de Melo (do Sport – Laboratório da História do Esporte e do Lazer, da UFRJ), teremos quatro mesas-redondas, com acadêmicos e jornalistas, analisando a crônica esportiva, seus primórdios e desenvolvimento. À tarde, vamos reproduzir a velha Resenha Facit, sob a batuta do Eraldo Leite (da Rádio Globo), presidente da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro), com Marcio Guedes, Lucio de Castro, José Rezende, Ricardo Gonzalez e o professor Ivan Cavalcanti Proença.”

Viva La Resenha: E a Semana vai acabar em samba?

Cesar Oliveira: “Claro! Para homenagear o portelense João Saldanha, vamos realizar um encontro no sábado, dia 8, a partir do meio-dia, na Livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37), uma roda de samba sob o comando do sambista Rodrigo Carvalho (fundador do Galocantô, hoje em carreira-solo) e músicos convidados. Cerveja e petiscos por conta dos bares ao lado, e a venda de livros com Rodrigo Ferrari, o mais simpático livreiro do Rio de Janeiro. Tudo com a cara do Saldanha: cultura, samba, futebol, arte popular.”

Viva La Resenha: E, para terminar, qual livro dele você considera mais importante?

Cesar Oliveira: “O pensamento do João está muito bem explicitado em suas crônicas e no livro ‘Os subterrâneos do futebol’, de João Saldanha – Tempo Brasileiro, 1963 (reeditado pela José Olympio, 1963). Dos livros de crônicas, recomendo ‘Vida que segue – João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970′, de Raul Milliet Filho – Nova Fronteira, 2006. O Saldanha técnico pode ser visto em ‘A hora e a vez de João Saldanha’, de Pedro Zamora (Jocelyn Brasil) – Editora Gol, 1969. Há bons livros que analisam o trabalho do João: ‘João Saldanha & Nelson Rodrigues (a crônica e o futebol)’, de Ivan Cavalcanti Proença – Educom, 1976 e ‘João Sem Medo – futebol e identidade’, de Eduardo Manhães – Pontes, 2004. A história da sua demissão foi descrita em ‘Quem derrubou João Saldanha’, de Carlos Ferreira Vilarinho – LivrosdeFutebol, 2010. E as biografia disponíveis são ‘João Saldanha, uma vida em jogo’, de André Iki Siqueira – Cia. Editora Nacional, 2007; e ‘Sobre nuvens de fantasia’, de João Máximo – Relume-Dumará, 1996.

Alguns desses livros, fora de catálogo, podem ser encontrados sem maior dificuldade na Estante Virtual. Recomendo a leitura de todos. Uma aula de futebol, jornalismo e Brasil.”

Serviço:

“As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha”. Pesquisa e seleção de crônicas:
Alexandre Mesquita; Organização: Cesar Oliveira; Comentários: Alexandre Mesquita, Cesar
Oliveira e Marcelo Guimarães. Formato 15,5x23cm, 248 pág., R$50. Distribuição: Mauad -X. Versão
e-book: Digitaliza Brasil.

Quem produziu “As 100 melhores crônicas comentadas de João Saldanha”:

Alexandre Mesquita, carioca, vascaíno, quase cinquentão. Atento e aplicado pesquisador e historiador do futebol desde adolescente. É jornalista, arquivista e autor de vários livros importantes, entre eles “Um Expresso chamado Vitória” e “Clássico Vovô”.

Cesar Oliveira, carioca, 65 anos, botafoguense. Editor da LivrosdeFutebol. Tem João Saldanha como seu maior ídolo no futebol, fora dos gramados. Pela sua editora, já  lançou seis livros sobre o Botafogo, sua história e seus ídolos.

Marcelo Guimarães, carioca da Urca. Empresário, atuou como Diretor de Marketing do Botafogo FR, foi candidato à Presidência do Clube em 2014. Fã de João Saldanha, é autor do livro “Paixão S.A., como anda o marketing do clube do seu coração?

E ainda:

Museu do Futebol em agosto

João Saldanha será lembrado num evento comemorativo no auditório do Museu do Futebol, em
São Paulo, durante a reunião mensal do Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol,
também com debates e lançamento do livro.

Apoiadores

Trem do Corcovado, BKR – Lopes Machado Auditores, Clécio Régis Cenografia, Associação
Brasileira de Imprensa, ACERJ — Associação de Cronistas Esportivos do RJ, Approach Comunicação,
Museu da Pelada, WTT – Transportes e Turismo